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Nome: MORAES, Carlos de Souza. Discurso de homenagem póstuma ao Dr. Adroaldo Mesquita da Costa. 1986.

Descrição:

MORAES, Carlos de Souza. Discurso de homenagem póstuma ao Dr. Adroaldo Mesquita da Costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 124, p. 163-168, 1986.
 
Discurso de homenagem póstuma ao Dr. Adroaldo Mesquita da Costa
 
Carlos de Souza Moraes
 
O instante que vivemos é de profundo pesar e de evocações.
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul perdeu seu presidente perpétuo, aquele que ajudou o seu surgimento em 1920 e o acompanhou em sua longa, laboriosa e edificante trajetória por espaço superior a 65 anos.
Fora ele predestinado a ocupar os mais elevados cargos da administração pública. Não muitos rio-grandenses tiveram a ventura e a honraria de ostentar folha de serviços tão nobres quão importantes à nação. Em todos eles deixou a lembrança de sua inteligência e de sua ilustração, esta haurida em respeitáveis e conceituados estabelecimentos de ensino, como o Ginásio Nossa Senhora da Conceição, de São Leopoldo, que deixou marco luminoso no incipiente sistema educacional do Estado, e a Faculdade Livre de Direito, de Porto Alegre, que nos forneceu contingente de bacharéis de alto quilate que engrandeceram a vida pública e política desta extremadura e assegurariam ao Rio Grande, depois de quase um século de implantação, no país, dos cursos jurídicos, um estágio de ensino superior, que viria contribuir poderosamente para a formação de uma elite dirigente capaz de proporcionar gama notável de benefícios para o futuro de nossa unidade federativa e que não cabe aqui enumerar.
Ele teve vida intensa na advocacia, que o andar do tempo lhe foi impondo desvios para atender a tantas outras solicitações de seu espírito bem formado, como a atração pela política, ante o proselitismo operante e quando provinha de velhos troncos políticos.
Recordamos, gratamente, a sua figura na plenitude de sua capacidade realizadora, como advogado, professor universitário e político, e voltado sempre para os estudantes, os jovens recém formados em Direito, que procuravam dele se aproximar e beber-lhe orientação profissional. E assim prestes a integrar a Constituinte rio-grandense em 1935, e, no entanto, realizava, á noite, em período de férias, curso de prática forense. E o fazia gratuitamente, sem perder jamais a cordialidade, na qual sentia a satisfação de poder servir a mocidade estudiosa da época. E o fazia, também e por certo sacrificando horas de lazer, roubadas muitas vezes às suas lucubrações e leituras indispensáveis.
Nós vivemos essa fase esplendorosa de Adroaldo Mesquita da Costa, que estendia a advocacia ao interior do Estado, onde era constantemente solicitado, mormente na esfera comercial em que era especializado. Não havia falências importantes de repercussão na vida econômica das comunidades municipais de que não participasse.
Entretanto nunca deixou de ser cidadão simples, acolhedor, e causídico sem vaidade.
A sua residência onde mantinha o escritório – que lamentavelmente desapareceu –, bela, imponente, fidalga de estilo, situada ao lado da histórica mansão do Visconde de São Leopoldo, à rua Duque de Caxias e defronte ao prédio onde funcionou por muitos anos a Secretaria da Agricultura – era uma casa aberta para os jovens advogados, que ali iam buscar o concurso da experiência e consultar a sua biblioteca, de largos recursos.
Quantas recordações assaltam o nosso espírito, ao lembrarmo-nos de nossa atividade profissional na capital, vindo do interior, em tentativa ousada, numa fase em que o exercício só era possível aos abonados de recursos materiais, aos que desfrutavam da segurança de lar aqui implantado, à margem de despesas de pensão e hotel! Quantos bacharéis conhecemos que não eram filhos de fazendeiros, classe da qual provinha a maioria dos estudantes daquela recuada e saudosa época, e que após formados, permaneciam ali, porque não possuíam meios para ocuparem um apartamento, um hotel que lhes garantisse o conforto, tão comum nos dias de hoje, na evidência que deve nos alegrar e de que a gente do Rio Grande venceu em parte a pobreza da mocidade estudiosa.
Recordamo-nos, ainda, entre aqueles que lutaram para vencer, de Alberto Pasqualini, bacharel laureado e advogado que já se vinha impondo rapidamente e que se constituiria ídolo dos estudantes, – sim, recordamo-nos dele vivendo em pensão da rua Jerônimo Coelho, mas vencendo o desafio do estudante que não dispunha de fartos recursos e acabou conquistando a admiração e respeito, pelo seu talento.
Pasqualini é um exemplo igual ao de Adroaldo Mesquita da Costa. Nunca a ascensão, a conquista do patamar da vitória, do prestígio, subiu à cabeça para esquecer ou desprezar os velhos amigos e colegas. Foram ambos exemplares em conduta, em capacidade intelectual e serviços prestados à pátria, dignos, portanto de nosso permanente reconhecimento e evocação.
O nosso homenageado sempre foi um enamorado da profissão, que exerceu, com entusiasmo, desde antes de deixar, como aluno laureado, a Faculdade de Direito, – até 1984, ao ultrapassar 90 anos de idade, ainda com lucidez, como se evidenciava nas sessões solenes de nosso Instituto, quando se fazia ouvir na presidência dos trabalhos e era capaz de rememorar fatos, lembrar pessoas, figuras de nosso passado histórico e até datas com segurança, o que despertava atenção.
Já em idade avançada, cumpria, com compenetração, o seu magistério profissional, viajando regularmente ao Rio e Brasília, onde, perante o Pretório Excelso e o Tribunal Federal de Recursos, realizava defesas orais. Não tinha indolência nem canseiras para executar obrigações advocatícias.
Seria longo enumerar particularidades de sua atividade, referindo casos numerosos, de grande percussão na vida forense. Bem mereciam elas uma memória e de mais valia seria ainda a compilação de muitos de seus trabalhos jurídicos, bem fundamentados e versando questões controvertidas.
Fôra Comendador da Ordem dos Advogados, Secção deste Estado, como Advogado Jubilado, por meio século de profissão. O Instituto dos Advogados, que ajudara também a fundar, lhe prestou carinhosa homenagem, conferindo-lhe o título de Advogado Emérito e inaugurando, no salão nobre, o seu retrato. Era membro honorário da Academia de Letras Jurídicas e possuidor de Palmas Acadêmicas, da França, da Grã-Cruz da Ordem do Cedro, do Líbano, além de Comendador do Mérito Aeronáutico e Grande Oficial do Mérito Militar.
Neste extremo sul, integrou em 1931, o Conselho Consultivo do Estado e o Conselho Administrativo, em 1944, e foi Procurador da República de 1927 a 1928.
Constituinte rio-grandense em 1935, participou da legislatura ordinária até 1937.
Eleito deputado federal em 1946, foi um dos elaboradores da Carta Constitucional desse ano e permaneceu na Câmara, em dois períodos legislativos até 1955, quando não aceitou a reeleição.
Nesse transcurso foi Ministro da Justiça em 1947, no governo do Gen. Eurico Gaspar Dutra.
Integrou a representação brasileira à Conferência Interparlamentar de Berna, e à XV Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, em 1960.
Nos governos dos generais Castelo Branco e Costa e Silva, ocupou as elevadas funções de Consultor da República, a partir de 1964.
Anteriormente, exerceu, no Estado, de 1958 a 1959, a Secretaria da Educação.
Como vedes, é extensa a folha de serviços prestados ao país por Adroaldo Mesquita da Costa. E jamais deu margem à maledicência no cumprimento de tantos cargos públicos. E se mais não foi na vida pública – sempre convidado ou indicado – é por que sua vida profissional impediu.
Nunca se insinuou para pleitear múnus público.
Mas convenhamos que essa carreira brilhante, pela significação de cargos ocupados como pelo seu desempenho, teria advindo em grande parte, não só de sua inteligência e ilustração mas da disciplina de estudo, de trabalho e de orientação e incentivo de seus professores ante à sua vocação e dedicação ao estudo, que lhe proporcionaram desde cedo visão preciosa e ampla da evolução social e política de nossa sociedade. Esta conquista deve ele ao tempo em que frequentou o Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em cujo arquivo, pela mão de nosso prestimoso e sempre solícito Confrade Pe. Arthur Rabuske, fomos buscar alguns subsídios de sua vida escolar.
Temos de admitir que o curso secundário de seis anos, que ele venceu em cinco, foi brilhante: no primeiro ano, conquista o segundo lugar, com condecoração, mas adjudica a primeira colocação em religião, matemática e inglês e a segunda nas demais disciplinas de geografia, português, francês, latim, corografia e desenho. No ano subsequente, volta a manter a mesma classificação, dominando sempre os seus colegas na maioria das matérias. Nos dos últimos anos, 5º e 6º, é detentor do primeiro lugar da turma, conquistando a primeira posição em religião, grego, história universal, física e química, mecânica e astrologia. Obtém o segundo lugar em latim, inglês, alemão e literatura.
Fora realmente estudante de realce permanente e participante das representações teatrais, encarnando muitos personagens. Chegará a ser prefeito da Congregação Mariana e deixou nas velhas arcadas do renomado colégio uma aura de estudante exemplar e de raros dotes de inteligência.
Talvez seja prosaísmo recordar esses aspectos. Todavia o receio de que se pudessem perder com o extravio dos boletins e revistas, entendemos fixa-los.
- Religioso por temperamento e formação, transformou-se, com o andar dos anos, em líder inconteste do laicato sulino. Como tal, participou de congressos nacionais e do Internacional Ano Santo, em Fátima (1950), onde foi orador no encerramento. Sempre usou na lapela do termo o emblema de congregado mariano e foi agraciado com numerosas condecorações, entre as quais a Pro Eclesia et Pontifice, a Grã-Cruz da Ordem Equestre de Jerusalém. E tinha o privilégio de Capela Doméstica e o de conservar o Santíssimo Sacramento do Altar.
- Descendente do burgo açorita senhor São José, depois São José de Taquari e que fora implantado em 1760 às margens do rio então conhecido por Terbiquari, – teria sido influenciado pela história da formação e evolução de sua terra natal, que ele trazia sempre em seu coração e nos seus pensamentos; uma pequena cidade mas de reais e caras tradições, e que deu ao Rio Grande tantos rio-grandenses ilustres, que souberam bem elevar o seu nome por valiosa contribuição cultural que pode transmitir. Lamentamos que o tempo não nos permita citar alguns deles, entre os quais nobres figuras do autodidatismo, de que foi farto o Estado e com que foi enobrecido.
Daí lhe veio com certeza a sua inclinação pelos estudos históricos que o levariam a cerrar fileiras em torno da fundação de nosso Instituto Histórico e Geográfico, que, a 5 de agosto deste ano, completará 66 anos de existência.
Bem podemos imaginar o que foram eles! Sem recursos, obtendo de quando em quando mofinos auxílios do poder público e sem gozar infelizmente da munificência privada, ele, convenhamos, realizou muito, engrandeceu, sem dúvida, o patrimônio cultural do Estado. Aí estão editados – é verdade que a duras penas – a sua valiosa coleção de revistas, os anais de diversos congressos, a preservação de valioso acervo documental e magnífica biblioteca.
O nosso homenageado se sentia feliz, a despeito das dificuldades materiais, que foram sempre uma constante em seu funcionamento, a ponto de a publicação da revista ter sido suspensa por 24 anos! É que ele sabia que as bases eram boas e confiava em seus companheiros de ideal. Aqueles que o acompanharam na caminhada foram ficando pelo caminho e só restou ele! E, como derradeiro paladino da obra dos fundadores, comparecia regularmente às nossas reuniões ordinárias para presidi-las e tomar parte nos debates e resoluções. E isto aconteceu ainda em 1985.
Como não relembrar nesta hora de evocação alguns de seus companheiros de fundação, com os quais conviveu tantos anos, gozou da alegria, do calor humano que os unia na tarefa comum de fazer a história do Rio Grande do Sul, pelo menos despertando o interesse dos estudiosos; espancando a indiferença pelo nosso passado; agredindo os egoístas que não abriam mão de seus arquivos particulares, de documentos preciosos para consulta, tudo sujeito ao desaparecimento; incentivando a pesquisa, com o indispensável apoio do poder público, que devia se engajar nessa cruzada tão importante quão indispensável.
Quanto pretendiam mais fazer aqueles que nos legaram este Instituto – uma grande e valiosa conquista –, que nós, herdeiros, deveremos levar avante!
Como recordar faz bem ao espírito e ao coração, vamos enumerar alguns nomes que tornaram realidade este sodalício, como homenagem ao idealismo e ao empenho com que o impulsionaram, no instante em que prestamos nosso comovido preito de reconhecimento e gratidão a Adroaldo Mesquita da Costa.
Ei-los:
Afonso Aurélio Porto, Álvaro Batista, Aquiles Porto Alegre, Afonso Guerreiro Lima, Alfredo Ferreira Rodrigues, Alfredo Varela, Carlos Teschauer, Eduardo Duarte, Emílio Fernandes de Souza Docca, Florêncio Carlos Abreu e Silva, Francisco Leonardo Truda, Homero Batista, João Batista Hafkmeyer, João Pinto da Silva, Joaquim Francisco de Assis Brasil, Joaquim Luiz Osório, João Cândido Maia, Lindolfo Collor e Octávio Augusto de Faria.
A jornada intensa e exigente da profissão e a absorção cada vez maior de seu lazer, que foi cada vez mais desaparecendo, pelo exercício continuado e prolongado de funções públicas, de representações políticas em nossos legislativos e em nossas agremiações partidárias – não ensejaram oportunidade para ele nos deixar uma obra da história alentada que correspondesse à sua ilustração e inteligência. Nem mesmo a tradução da obra de Saint-Hilaire, a que se dedicou durante longa parcela de sua existência e a ser editada brevemente, lhe ensejou oportunidade de vê-la publicada. De publicações de tomo, salvo os livros de direito a “Cambial” e a “Falência”, e a tradução de “A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”, do Cardeal Caetano de Lai, nada deixou, senão algumas plaquetas de discursos e conferências, além dos estampados na revista do nosso Instituto.
É bem de compreender-se que, numa alocução como esta, não poderíamos dizer mais o que o nosso homenageado foi e o que realizou, como cidadão eminente, como religioso, como professor, como parlamentar e como advogado.
Nem mesmo uma conferência seria suficiente para revolver a obra de rio-grandense de tanta qualificação.
Todavia podemos estar certos, meus caros confrades e meus senhores, de que fixou o seu nome imperecivelmente em nossa história e morreu tranquilamente, com o pensamento voltado para Deus e animado de que seria sepultado em sua querida Taquari, a que prestou um dos mais belos e significativos preitos de amor e vassalagem espiritual, quando se sentiu honrado e não diminuído, depois de ter subido tanto na vida pública do país, em exercer o cargo de vereador de seu burgo natal, normalmente investidura inicial de carreira política!
07/05/1986.